Na
última terça (28) estive, desta vez, no município de Itapajé, Ceará,
participando do X Café Literário da EEEP Adriano Nobre. O evento, organizado
pela própria escola, convidou a mim e a outros profissionais da linguagem para
falar com os estudantes sobre uma obra específica da literatura brasileira,
finalizando o momento com um grande café da tarde. O objetivo do evento é
incentivar os alunos às práticas leitoras de nossa literatura.
Um
dos livros que estava à minha disposição foi o romance/rapsódia Macunaíma, de
Mário de Andrade, obra que imediatamente escolhi para conversar com os alunos
devido à sua irreverência e mistura de fantasia x realidade, ingredientes que
os alunos gostam bastante. O subtítulo, O herói sem nenhum caráter, revela
bastante a novidade trazida por essa obra considerada uma das mais importantes
do século XX. Essa novidade apresentarei em um momento mais oportuno neste
texto. Naquele dia do convite, peguei o livro da minha estante na mesma hora e
comecei a lê-lo já imaginando as coisas que iria abordar na apresentação.
O
livro Macunaíma foi publicado oficialmente em 1928, durante uma década de
extensas transformações sociais (e claro, literárias!) em nosso país. Vivíamos,
na verdade, em uma época de contrastes: de um lado, as principais cidades do
país consolidavam-se como verdadeiras metrópoles, com o surgimento das
indústrias, da popularização dos automóveis, lojas de moda e perfumaria
parisiense e, é claro, da vida noturna apreciada por boêmios — alguns deles
filhos dos grandes e ricos cafeicultores. De outro lado, a grande massa
populacional (sobre)vivia no campo ou mesmo nas periferias dos grandes centros
urbanos, sem escola, sem auxílio do governo, sem expectativas...
O que fez o livro em questão surgir foi uma questão não somente cultural, mas também política. Enquanto na Europa, o mundo se "modernizava" com as descobertas científicas e o desenvolvimento tecnológico, o que repercutiu também na forma de fazer e cultivar as artes, no Brasil, país ainda essencialmente agrário, buscava perpetuar ideais artísticos antiquados, sem inovação, sem ousadia, sem liberdade estética. Alguns intelectuais, ao conhecerem os novos modelos de artes trazidos pelas Vanguardas Europeias, sentiram a extremada necessidade de promover no Brasil a luta pela renovação da forma de se fazer arte e literatura.
Teaser da Apresentação de Macunaíma
O que fez o livro em questão surgir foi uma questão não somente cultural, mas também política. Enquanto na Europa, o mundo se "modernizava" com as descobertas científicas e o desenvolvimento tecnológico, o que repercutiu também na forma de fazer e cultivar as artes, no Brasil, país ainda essencialmente agrário, buscava perpetuar ideais artísticos antiquados, sem inovação, sem ousadia, sem liberdade estética. Alguns intelectuais, ao conhecerem os novos modelos de artes trazidos pelas Vanguardas Europeias, sentiram a extremada necessidade de promover no Brasil a luta pela renovação da forma de se fazer arte e literatura.
A
história muitos já conhecem. O chamado grupo dos cinco — Mário de Andrade,
Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Anitta Malfatti e Tarsila do Amaral —
fomentaram um rico e grandioso debate sobre o que é a arte naqueles dias
através da Semana de Arte Moderna de 1922. O projeto artístico-literário
brasileiro era movido, essencialmente, pelo desejo dos artistas em promover uma
arte libertadora dos padrões clássicos de então. Por isso, tudo valia, contanto
que se trouxesse um novo modo de sentir e viver a arte. Esse ideal impregnou a
forma de compor, esculpir, pintar, dançar e, é claro, escrever.
Macunaíma
nasceu desse desejo de inovação. O livro, que foi escrito por Mário durante
seis dias ininterruptos, traz a história do índio Macunaíma que, após perder um
amuleto ganhado de Ci, seu grande amor, parte para São Paulo junto com os dois
irmãos, Jiguê e Maanape, ao descobrir que a pedra se encontra em poder do
poderoso Venceslau Pietro Pietra. É uma história de aventura, como se pode
deduzir. O enredo parece não ser inovador, mas o fantástico do livro não é a
história, e sim sua composição, muito inovadora para o Brasil da época, diga-se
de passagem.
Mário
de Andrade foi, durante toda a sua vida, um exímio pesquisador da cultura e
folclore brasileiro. Reuniu um grande acervo de músicas, lendas, histórias e
costumes de muitos povos espalhados na época por todo o país. Dessa sua paixão
pela cultura, escreveu o livro Macunaíma como uma forma de reunir essas
histórias e culturas tão diversas, construindo uma obra rica em vocabulário e,
mais do que isso, uma obra de inestimável valor cultural. É o que os críticos
chamam de rapsódia. Macunaíma pode até perder no enredo, o que realmente eu não acredito, nem defendo, mas ganha muito mais
no vasto uso de expressões, histórias, costumes e fatos indígenas, provando que
era necessário trazer para a literatura brasileira o nacionalismo esquecido e
desvalorizado desde a época do Romantismo.
Como
forma de consolidar a estética modernista no Brasil, Mário abusou em sua obra
(de propósito, é claro) de termos considerados vulgares e populares em sua
época, desrespeitou a norma padrão visando à liberdade expressiva, criou um
personagem, como o próprio subtítulo diz, sem nenhum caráter, e rompeu,
certamente com os padrões literários, tanto que o romance/rapsódia foi visto como
uma obra de muito mal gosto. A sociedade elitista da época (os pobres não
tinham acesso à leitura!) não gostaram de um personagem sem-vergonha,
mentiroso, feio, negro e índio! Isso afrontava a moral e os bons costumes
literários: mocinhos bonitos, brancos, valentes e sempre detentores do saber e
da justiça! Mário, contudo, "não estava nem aí": queria com sua obra apresentar o
brasileiro tal como ele era (e é!); Macunaíma, portanto, assim como os outros
personagens, representam o tipo brasileiro do início do século XX.
Falar
de Macunaíma foge a esta simples análise e apresentação. A obra, rica como é,
exige muito espaço e muito tempo para ser digerida e aproveitada em cada linha
que compõe essa história de muitas aventuras e fantasia. Entre críticas e
elogios, Macunaíma é um marco não só literário, mas também histórico em nosso
país. Como se sabe, a primeira geração de autores modernistas tiveram que ser
irreverentes e, às vezes, até incisivos na tentativa de convencer da
necessidade de se trazer uma nova arte. Por isso, obras diferentes, divertidas,
com tom de crítica e denúncia como forma de mostrar, verdadeiramente, as faces
que compunham a nossa tão idolatrada pátria.
Como
sempre faço, intercalo a apresentação da obra com uma sessão de contos para
despertar ainda mais o gostinho da leitura como deleite. Os contos escolhidos
foram alguns que sempre gosto de contar: Um dedinho de amor, de Elisa Lucinda;
Um apólogo, do mestre Machado de Assis; e um conto que acabei conhecendo numa
palestra, O par de sapatos, do escritor francês Pierre Gripari. Os alunos
amaram as histórias!
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